A Opinião de Filipe de Oliveira | Vieira do Minho há 100 anos – Capítulo IV (I Parte)

Na obra-prima do Padre Alves Vieira, Vieira do Minho – Notícia Histórica e Descritiva (1923-1925), na celebração do 1.º centenário da sua publicação.

Capítulo IV (I Parte) – VIEIRA INDUSTRIAL

O extrato que fazemos deste capítulo chama-nos a atenção para uma variável determinante do desenvolvimento económico e social do nosso concelho, há cem anos: a economia dos Ofícios e da Indústria. Incentivamos os leitores à leitura integral do capítulo, onde, além de mais informação sobre os Ofícios referidos, poderão recordar ainda os “Engenhos de casca” e os “Lagares de azeite”. Mas, a evocação deste segmento da atividade económica no nosso concelho, há cem anos, tem o interesse maior de chamar a atenção para a necessidade de preservar o nosso património artesanal e industrial, prevenindo a sua delapidação, e conjugando devidamente o antigo como o moderno.

Um projeto CAVA, com fotografias atuais de Miguel Proença. Apoios: Instituto Português do Desporto e Juventude, O Jornal de Vieira e Rádio Alto Ave.

(transcrição do áudio)

“Pois sim senhores! Comércio há-o por toda a parte, e comerciantes há-os às dúzias, aos milhares; dir-se-ia que assistimos a uma pavorosa invasão, pior que a do filoxera que desbasta os nossos vinhedos…

O que nem em toda a parte há, é a indústria. Vieira nesse ponto pode ufanar-se de ter indústria sua própria, cujos produtos não devassam talvez as fronteiras da província, mas que, sem embargo, merece uma leve e lisonjeira referência neste livro.

Há três indústrias florescentes na comarca: a fabricação de mantas, cobertas, toalhas, capuchas e aventais, a de crivos, a da serração de madeira, etc.

De todas falaremos particularmente.

Mantas, toalhas, aventais, etc.

Vendo e admirando o nosso Ave, cada vez nos envaidecemos mais de o ver tão útil e prestadio. Quase logo desde a nascente alimenta fábricas, e o Vizela e os outros afluentes seus são por igual pouco avaros das suas águas.

Se a última fábrica do Ave é, se não há engano, a da Retorta, em Vila do Conde, a primeira é em Agra, freguesia de Rossas.  É o chamado Pisão. Casa modesta, escondida entre ramaria e sepultada lá no fundo de um esconderijo, para onde se desce por um atalho estreito e mal ajeitado, mas que tem reunido muitos contos de reis.

No Pisão fazem-se principalmente mantas de lã de ovelha do concelho, mas também se fazem outros trabalhos.

O maquinismo não veio da Alemanha, podemos garanti-lo sem receio de desmentido. A lã, depois de lavada e molhada, é posta sob a ação contundente de dois malhos de madeira, de dois mascotos enormes, gigantescos, que postos a par, se revezam na rude tarefa de afeiçoar e apurar a lã. Estes mascotos são acionados por uma grande roda de pau movida pela água do benemérito Ave.

São bastantes as operações por que passa a lã até tomar a forma de manta. Infelizmente, não nos foi dado entrar no segredo dos deuses, porque ao visitar o Pisão de Agra, fomos tomados por agentes do governo, resolvidos a espoliar Agra dos seus baldios, e o dono da fábrica tratou-nos tão bem e tão mal, que nem quis dizer por onde era o caminho. «É por aí!», disse ele num laconismo digno de qualquer cidadão da elite espartana…

Estas mantas, que não agasalham tanto como os bons cobertores de lã, felpudos, são contudo ótimo agasalho. Em tempos eram baratíssimas; hoje pedem por elas trinta e quarenta mil reis, e até mais.

Nos Pisões também preparam excelente burel para roupa de vestir, polainas, capuchas, etc.

Além do Pisão de Agra, há outro na freguesia dos Anjos; e é possível que haja muitos mais na área do concelho. Na freguesia de Bucos, que já é de Basto, mas é chegada ao nosso concelho, há três Pisões.

Além das mantas, fazem-se, mesmo fora dos pisões, e nos teares manuais de Vilar Chão e de outras freguesias, excelentes colchas para cama, tanto de lã tingida, como de linho.

A estas colchas chamam por cá vulgarmente cobertas. Também fazem boas toalhas de linho, e com lã tingida de várias cores há quem prepare tapetes que, se lá pelas cidades entrassem a conhecer-se, teriam grande voga.

Fazem também outra peça de vestuário desconhecida lá para baixo: a capucha e o avental de burel (pp. 99-102).

[…]

Sob o aspeto industrial.

Há produtos de indústria caseira dignos de menção, como sejam:  a aguardente de bagaço, fabricada nos antigos alambiques de caldeira e capacete de cobre, a que deve, por certo, o agradável sabor e perfume tão louvado pelos apreciadores; as carnes de porco, salgadas e de fumeiro, podendo concorrer com as melhores de Barroso e Melgaço; o pão de ló de Rossas, quando encomendado como igual ao fabricado em Felgueiras; e a deliciosa manteiga de bica, feita nos lugares de Campos, Anjos e Agra, e que vai quase toda para fora, como o mais delicado dos nossos brindes.

Merecem, também, um lugar de honra as mantas de farrapos e burel, tecidas em Pinheiro, Vilar Chão e mencionados lugares de Agra e Anjos: umas de alvura impecável e outras de cores, lisas e em relevo, primorosamente trabalhadas.

Seria uma injustiça não registar as peneiras e crivos de Riolongo, como os mais afamados nas grandes feiras de todo o distrito.

Da mesma forma, os cestos e cestas de todos os tamanhos, em vime e casquinha, de Parada de Bouro.

Há 20 anos, não existia um único engenho de serração em Vieira. Apareceu o primeiro no Mosteiro, o segundo em Riolongo. E de há 6 ou 7 anos para cá construíram-se mais 7, o que mostra bem o considerável incremento que ultimamente tem atingido a exploração e comércio de madeiras, no nosso concelho” (pp.108-110).

Fotografias: Manuel Ribas, Tabuaças / Serração MIL Martins, Tabuaças.

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